Já sabemos que a infecção pelo coronavírus (SARS-COV-2) nas crianças costuma ter menos sintomas ou ser assintomática (sem sintomas) do que comparado à infecção nos adultos. Quando a criança apresenta o sintoma, na maior parte das vezes, eles serão semelhantes aos mais comuns nos adultos, tais como: tosse, falta de ar e febre.
Porém, cada vez mais, tem sido observado um contexto de sintomas menos típicos como as manifestações gastrointestinais, que podem estar presentes associadas ou NÃO aos sintomas respiratórios.
Um levantamento realizado nos Estados Unidos¹ com 5.188 crianças de 0 a 9 anos até 30 de maio de 2020, encontrou os seguintes números:
- 14% das crianças infectadas tiveram diarreia.
- 10% queixaram náusea/vômito .
- 7% dor abdominal.
Com isso a possibilidade da transmissão fecal-oral vem sendo cada vez mais discutida. Traduzindo…
Vamos imaginar uma situação aqui pra ficar mais fácil de entender o tamanho do problema:
“Um belo dia, joãozinho acordou com uma dor de barriga ou diarreia, vai lá ao banheiro, faz o “número 2″ tranquilão deu descarga com a tampa do vaso aberta e como não tem manifestação respiratória (tosse, falta de ar) não sabe que esta infectado pelo coronavírus. Em seguida, a irmã mais nova vai usar o sanitário e não lava as mãos antes de tocar o rosto, assim como a funcionária de limpeza que limpou o banheiro.”
Se essa via de transmissão for possível, em minutos, já teríamos duas possíveis candidatas à infecção pelo coronavírus nesse exemplo. Baita problemão, hein?!
Dra, mas já é certo que essa transmissão fecal existe de fato? A ciência já provou essa possibilidade?
Não. Mas existem indícios, tais como:
O primeiro caso da COVID-19 descrito nos EUA demonstrou cargas do vírus elevadas em de nasofaringe (garganta), mas também detectou o RNA viral em amostras de fezes ²
Outros estudos demonstraram que o vírus permaneceu nas fezes, em média, 11 dias após as amostras de secreção respiratória se tornarem negativas³
Então, embora a nossa atenção esteja na contaminação por inalação respiratória, a hipótese de eliminação do vírus pelas fezes e a contaminação através dessa via, podem contribuir também para a transmissão viral e não devem ser negligenciadas. Enquanto não temos respostas definitivas, talvez a solução seja reforçar a precaução quanto ao manuseio das fezes de pacientes infectados com coronavírus, evitar o uso compartilhado de banheiro com pessoas suspeitas de estarem infectadas, lavar as mãos após o uso do sanitário e dar descarga “após o número 2” de tampa fechada.
Espero que isso ajude você a estar melhor informado. Caso seu filho(a) apresente qualquer sintoma gastrointestinal descrito aqui, procure-nos para uma melhor avaliação do caso. E se você acha que esse texto pode deixar mais gente informada por aí, não hesite em compartilhá-lo.
>>> Ah! Fiz um vídeo no instagram falando sobre o tema, se te interessar, clica aqui no link:
Abraço,
Dra. Jéssica Figueiredo Dantas
Pediatria, Gastroenterologia e Hepatologia Infantil.
CRM185972
Fontes:
- Stokes EK et al. Coronavirus Disease 2019 Case Surveillance – United States, January 22-May 30, 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020;69(24):759. Epub 2020 Jun 19.
- Holshue ML, DeBolt C, Lindquist S, et al. First case of 2019 novel coronavirus in the United States. N Engl J Med. 2020;382:929-36.
- Chen L, Lou J, Bai Y, et al. COVID-19 Disease with Positive Fecal and Negative Pharyngeal and Sputum Viral Tests. Am J Gastroenterol 2020;00:1. doi.org/10.14309/ ajg.0000000000000610
- SBP. COVID-19 e manifestações gastrintestinais: transmissão fecal-oral, há evidências?. Departamento científico de Gastroenterologia (2019-2021), 2020.
Saiba mais: